O sabor do litoral alagoano

Tradição dos pratos típicos de Alagoas envolvem culturas ribeirinhas e se expandem pelo país

Por Ana Clara Pontes e Thiago Oliveira

Prato preparado com sururu – Foto: arquivo Canva

Casquinha de siri, sururu de capote, peixe no coco, camarão e tapioca. Se você nunca ouviu falar de nenhum desses pratos… Prazer! Essa é a culinária do litoral alagoano. Repleta de frutos do mar e leite de coco, a gastronomia de Alagoas tem suas raízes em três culturas diferentes.

Sua história começa com os portugueses. Ao viajar para o nordeste, os colonizadores do novo mundo tentaram continuar com seus costumes e sua alimentação tradicional, trazendo nos navios e caravelas alimentos típicos da terra portuguesa, como o azeite e o bacalhau.

No século 19, as influências indígenas e africanas começaram a conquistar os portugueses e a participar do cardápio das casas-grandes. A culinária nordestina, e não somente alagoana, se consolidava em meio às porcelanas e colheres de pau.

Mas se a culinária alagoana se constrói em meio à cultura alimentar nordestina, qual é então o diferencial da gastronomia em Alagoas? A resposta está no próprio título: as maravilhas do litoral. O litoral único e diverso do estado de Alagoas, em conjunto com as práticas pesqueiras que foram sendo iniciadas e se perpetuam até hoje, fazem da culinária alagoana uma das mais variadas do nordeste, rica em sabores e combinações.

A região litorânea abriga moluscos, peixes e crustáceos únicos que são a base da maior parte dos pratos e, graças a essa cultura, a culinária alagoana não surpreende apenas na apresentação ou no preparo do prato, mas também em seu cultivo.

A estrutura que sustenta a casquinha de siri que é servida na orla das praias se inicia com os homens que, antes do sol raiar, preparam suas jangadas e seguem pelos rios e lagoas em busca do siri de cada dia.

E não é apenas o siri que tem uma boa história para contar. Cada um desses conterrâneos traz consigo toda uma cultura própria e específica de uma comunidade inteira que se dedica em cada etapa até chegar à mesa do consumidor.

Uma fonte de sururu

Pescador de sururu da Vila Palateia – Foto: Thiago Oliveira

A cerca de 36 km de Maceió, localizada na Barra de São Miguel, a pequena vila Palateia, conhecida como paraíso das ostras, é um dos santuários ecológicos de Alagoas em meio à Mata Atlântica. Entre as praias paradisíacas do Gunga e do Francês, os moradores da pequena vila se mantêm através do turismo e da pesca de moluscos.

Com a interdição que a pandemia causou em 2020, os passeios pelos mangues foram suspensos. A atividade pesqueira de sururu, ostras, camarão e siri se tornou então a principal forma de sustento das 150 famílias que moram na comunidade. A maioria vive em situação precária, em casas de taipas e com pouco saneamento básico.

Após mais um dia de trabalho, o retorno à terra firme não é assim tão gratificante para os moradores da vila. Mesmo cansada do esforço do dia a dia, Maria de Lourdes dos Santos, mais conhecida como Dona Nena, se sustenta com o cultivo de ostras e pesca de sururu e faz a propaganda do seu produto: “Não utilizamos corantes, é tudo natural”. Ao falar sobre o comércio do marisco ela afirma: “Os clientes pagam R$15 pelo quilo do sururu”.

Além das fronteiras

Se há uma coisa que pode se tornar um sinônimo de uma região ou estado são os pratos típicos que são servidos. E como era de se esperar, muitos destes pratos ultrapassaram as barreiras regionais e até nacionais.

No entanto, infelizmente muitas das receitas típicas que são comuns no cardápio alagoano e que conquistaram o agrado dos turistas, não são comercializadas nos restaurantes do país. Isto porque os principais ingredientes usados são de origem pesqueira, alguns sazonais e restritos à região.

Dentre os pratos mais procurados pelos turistas estão o sururu de capote, a pituzada, o chiclete de camarão (que ganhou esse nome por conta da presença do queijo derretido na receita), o siri mole ao coco, a moqueca de frutos do mar e o caldinho de sururu. Na parte dos doces podemos contar com as famosas bolachas de Maragogi, município que fica a cerca de 130 km da capital, sequilhos e as cocadas dos mais variados sabores que são comercializadas à beira da estrada próximo ao povoado Massagueira, no litoral sul de Alagoas à mais de 16 km da capital.

Tapioca doce e salgada – Foto: Thiago Oliveira

A tapioca e o cuscuz foram pratos que chegaram em Alagoas e que ganharam novas adaptações. Vinda de Olinda, cidade que fica a cerca de uma hora de viagem de Recife-PE, a tapioca como conhecemos hoje, que tem como matéria prima a goma da mandioca, teve seu preparo inspirado no beiju.

O prato de origem indígena, possui diversos tipos de receitas, mas é tradicionalmente recheada de coco. A tapioca é muito procurada na orla de Maceió e conta com os mais variados recheios: de coco com leite condensado até frango com catupiry, o fato é que turistas e maceioenses fazem a festa nas quitandas à beira mar.

De acordo com a jornalista Lívia Karolline, do portal Jornal Commercio, o cuscuz é um legado africano inserido na culinária brasileira. Ele tem origem na cidade de Maghreb no Oriente Médio, no norte da África. Na receita original no lugar do milho ou arroz se utilizava trigo e sêmola (uma farinha grossa composta por alguns cereais).

O cuscuz foi trazido com a chegada dos portugueses e africanos. Desde então passou a ser adaptado com os ingredientes disponíveis no país. Passando por variações ele se tornou um prato típico nordestino. Em uma de suas variações brasileiras, o cuscuz paulista, é mais elaborado do que o tradicional e conta com diversos ingredientes. 

Delícias de coco

Não há como negar: para a maioria das pessoas, só em ver as barracas de cocadas na beira da estrada já dá água na boca. Mas para quem não pode ir até as cocadas, hoje elas podem ir até você. O casal de comerciantes Marcelle Tavares e Rodrigo de Paula resolveram apostar nas cocadas e levar mais alegria aos paladares dos alagoanos com a loja de produtos artesanais Coco de Roda. Rodrigo nos contou um pouco sobre a sua história e produtos.

“A ideia de vender cocadas, começou a partir de uma lembrancinha que meu irmão levou aos seus amigos no sul do Brasil, e vi que aquela era uma boa forma de presentear, de uma forma bonita e elegante. E eu não via esse mercado de cocadas para presentear dentro de Maceió”, afirmou Rodrigo.

Ele aprendeu a receita das cocadas com a sua avó Amerilda e segue aperfeiçoando e inovando trazendo novos sabores para o seu negócio. “Sempre tentamos levar ao cliente a melhor experiência” conta Rodrigo.

Além das cocadas tradicionais, eles produzem sabores diferentes como: Cappuccino, Brigadeiro e até de Whey Protein. O casal criou uma receita própria das cocadas de forno, e inovaram colocando gotas de chocolate belga. Eles atendem pelo direct do instagram @cocoderoda.cocada e também pelo whatsapp que está na bio do instagram.

E a saúde, como fica?

De acordo com Julee Alves, graduanda de Nutrição na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), além da questão cultural, o consumo da tapioca é uma boa opção para indivíduos com doença celíaca “Por ser um alimento natural e que não contém glúten”. Porém, apesar de sua versatilidade, tanto a tapioca como o pão, são fontes de carboidratos simples que possuem alto índice glicêmico” diz. Logo, ela recomenda uma alimentação rica em fibras, indicando assim o consumo de cereais integrais. Já sobre o cuscuz, Julee afirma que, além de ser rico em fibras, ele apresenta várias substâncias benéficas à saúde.

Já o sururu contém ferro e é rico em vitaminas A e E, tem ação antioxidante e ainda proteína, no entanto, a nutricionista ressalta que: “como o sururu se alimenta de resíduos, esse alimento pode fazer com que ocorra o acúmulo de metais pesados e de toxina no organismo, que quando ingeridos em grande quantidade, podem comprometer a saúde, seja por deficiências neurológicas ou outras.”

Ela complementa que tanto o siri como o camarão trazem alguns benefícios à saúde humana, pois são ricos em proteínas e vitamina A, zinco e outros minerais. Mas se o camarão não for consumido de forma equilibrada pode aumentar o nível de colesterol.

Conhecimento através dos pratos

O gastrônomo Marcos Vieira: “O litoral alagoano tem uma costa incrível e diferenciada”

Com um grande acervo de saberes culinários, o alagoano Marcos Vieira, gastrônomo, professor, personal chef e pesquisador na área gastronômica, compartilhou seus pensamentos sobre a riqueza da cultura culinária do litoral.

O que o litoral tem de melhor?  

MARCOS VIEIRA – O litoral alagoano tem do norte ao sul uma costa incrível e diferenciada, desde a Foz de São Francisco até Maragogi temos uma imensa faixa de coqueirais onde o próprio coco é a estrela. Os peixes de água doce fazem parte da alimentação das comunidades ribeiras e das cidades que são banhadas pelo São Francisco. Seguindo para a nossa coleção de manguezais, o mais famoso é o complexo estuarino lagunar Mundaú-Manguaba, que forma a Massagueira, um polo turístico e gastronômico importantíssimo para Alagoas. Nos mangues temos uma grande variedade e a grande estrela que é o sururu. Nas proximidades se encontra a comunidade da Palateia, que junto com outras comunidades em Passo de Camaragibe e nas redondezas, cultivam ostras depuradas.

E quanto aos doces? Também possuem essa variedade?

A gastronomia alagoana do litoral é muito farta. Temos polos riquíssimos como o da Massagueira, com doces à base de coco. A gente vai para as boleiras do Riacho Doce com os bolos de tabuleiro, de goma, de massa puba e brasileiras. Também encontramos a cocada pois o coco faz parte do nosso litoral e está presente na nossa cultura. Em Ipioca temos os doces de caju, que são patrimônios imateriais tanto quanto o sururu. E uma coisa grave é que ali a gente já não encontra cajueiros de qualidade. E muitas vezes eles tem que importar esse caju, porque não encontram.

E a gastronomia alagoana atual? Continua seguindo essa tradição cultural?

Os chefs já tem uma nova visão sobre a tradicional gastronomia alagoana, mas com outro tipo de apresentação. Eles trazem a valorização dos nossos produtos, no entanto com outras apresentações e novos temperos. Então isso é de um valor gastronômico e cultural incrível para o estado.

Como você definiria a gastronomia alagoana em uma palavra?

A culinária alagoana é saborosa, colorida e temperada. Não dá para resumir em poucas palavras uma culinária tão variada.