“O RAP ME DEIXOU FELIZ, MAS NÃO CONFORMADO”

O rapper alagoano Felyppe Boka falou das dificuldades do rap em Alagoas, perdas e renascimento

Por Olívio Candido

Foto: Arquivo Pessoal

O rap é um estilo de vida, não é só pegar uma caneta e um caderno e escrever uma letra e querer fazer sucesso, ser politizado. Rap é um estilo que você abraça, se identifica, ele me ajudou a me colocar no mundo, ser quem eu sou, mesmo sendo de família pobre, mesmo não tendo sobrenome massa, o rap me tornou um cara feliz com todas possibilidades que me deu… Me deixou feliz, mas não conformado.

Boka

Em agosto desse ano, o grupo de rap Família 33 dá início a uma nova história com o lançamento de Fruto Proibido, primeira música sem a formação inicial do grupo, depois da morte do fundador do grupo, o rapper Leonardo Nogueira, conhecido como Invasor. Entrevistamos o rapper Boka, de 28 anos, professor de química formado pela Ufal e um dos líderes do Família 33.

Nascido em São José da Lage, município alagoano, e criado nas periferias da parte alta de Maceió, ele hoje é um dos líderes remanescentes do grupo de rap alagoano Família 33. O rapper  falou um pouco sobre sua trajetória solo e na Família 33, processo criativo, rap em Alagoas e o recomeço com Fruto Proibido. 

CIRCULADORQuem é Felyppe Boka?

FELYPPE BOKA – Felyppe Boka é um cara sossegado. Apesar de não ser, ele tenta ser justo. Um cara que sempre morou na periferia. Nascido no interior, Zona da Mata, São José da Lage e criado na parte alta de Maceió, Tabuleiro, Cruzeiro do Sul, Clima Bom, Santos Dumont, essas redondezas. 28 anos, metabolismo de garotão e sonhando alto.

O que o rap significa para você?

O rap é um estilo de vida, não é só pegar uma caneta e um caderno e escrever uma letra e querer fazer sucesso, ser politizado. Rap é um estilo que você abraça, se identifica, ele me ajudou a me colocar no mundo, ser quem eu sou, mesmo sendo de família pobre, mesmo não tendo sobrenome massa, o rap me tornou um cara feliz com todas possibilidades que me deu… Me deixou feliz, mas não conformado.

Qual foi sua primeira composição?

Não lembro, mas lembro o primeiro que gravei que foi Reprises, som até louco, o gravei na base do Dr Dre, mil grau, eu gosto desse som. Foi logo uma sequência que gravei, tava com um monte de letra, tava só escolhendo qual que eu vou gravar, escolhi Reprises, Cria do Nordeste, Trash e Poderoso Deus, tinha um bocado de letras e escolhi essas quatro. O resto deixei para lá e depois fui escrevendo mais letras.

Como é o processo criativo das músicas que você escreve?

Não tem um padrão, nós ganhamos bases de DJ’s, uns sons legais, ou pegamos samples na internet. É mais ou menos assim, não tem essa questão de ter um padrão, na parte de escrever é do mesmo jeito, escrevemos uma letra do nada ou então passamos um mês escrevendo uma letra. Primeiro gostamos de iniciar com o instrumental e depois meter letra por cima, se possível ter um refrãozinho antes…

Como você começou no rap? Já foi direto na Família 33?

Marco esse período no dia da gravação do meu primeiro som, em 2011. Os caras sempre diziam: “Meu irmão, vá gravar seus sons”, o Tribo da Favela Soul, o Toninho do Tequilla Bomb, que também é meu parceiro da Família 33. Eu tinha umas letras no violão, não tinha esse acesso à internet para pegar uma base, então fazia de qualquer jeito, pegava um violão e tocava. Então em 2011, gravei meu primeiro som e posteriormente entrei na Família 33.

Como é fazer rap em Alagoas? Quais as dificuldades?

Eu acho que todo mundo que quer viver de arte passa por dificuldades, seja em Alagoas ou no nordeste em geral. Quando eu conheci o rap, ele levava mais um lado marginal, por ele abordar temas críticos que ninguém gosta de falar ou ver, então tinha esse preconceito, mas hoje em dia é algo mais popular. Fazer arte aqui em Alagoas, seja qual for, se você não estiver na pegada do mercado você vai fazer mais pelo amor e carinho, mas sempre sonhando, porque o sonho nos move. Mas é difícil… Nós sofremos preconceito, repressão da polícia por ser do rap, ou do reggae, somos visto com outros olhares, mas aos poucos nós vamos galgando, já vemos exemplos de caras do rap que tem voz na periferia, são respeitados, assim como os grupos e dj’s de reggae.

Li em uma entrevista do Invasor ao Grito na Luta  que há perseguição da polícia pelo conteúdo feito pelo grupo. Como está essa situação atualmente?

Com certeza. Como falamos dos nossos temas que possuem uma letra bairrista de situações críticas, problemas delicados da sociedade, às vezes sofremos repressão da polícia, muitas vezes somos passados por criminoso só porque estamos ali relatando, tipo um jornal, o que se passa. Eu não vivo o crime, mas conheço vários amigos meus que já se foram… É só abrir o portão de casa que o cara vê que não tem para onde correr… E termina às vezes altos caras pensando em relação com facção, não tenho nada contra, cada um com seu corre, mas a Familia 33 e quem faz esse estilo de música que fala a verdade sofre repressão.

Hoje você é uma das frentes da Família 33, representando a sigla nos eventos. O que mudou após a morte do Invasor?

Mudou muita coisa na Família 33. Se for falar do Invasor, posso dizer que ele mudou o rap alagoano, é uma figura que faz falta para todos e que infelizmente não teremos como ver um novo trabalho, apesar de ainda ter muita coisa inédita para ser lançada. A Família 33 no tempo do Invasor era composta por cinco membros e hoje só tem eu e o Toninho, os caras se afastaram por diversos motivos, mas as portas continuam abertas e, se quiserem voltar, é tudo nosso. Falando ainda sobre mudanças, o Invasor era um cara que tinha mais oportunidade de viver o rap, ele tinha uma condição que não era só na questão de produzir músicas, mas em ter os contatos, de sempre estar divulgando, estar na internet postando, porque é tudo independente, não tem apoio, não tem patrocínio, você tem que escrever, produzir, cantar, fechar show, divulgar, fazer tudo, e o Invasor fazia muito. Nós sentimos o baque e agora estamos nos refazendo para recomeçar, já vai ter lançamento agora de Fruto Proibido, é um marco, é o primeiro som depois que houve essa separação da formação inicial.

Fruto Proibido acaba de ser lançada. Qual é a mensagem e o quanto ela é presente em sua vida?

A mensagem do Fruto Proibido é muito representativa para mim que vim de uma família evangélica, que sempre tive ensinamentos bíblicos que levo para vida, eles nos ensinam a viver bem na terra, respeitar sempre os indivíduos. Eu sei que tem  gente que faz distorção ou se aproveita para ganhar dinheiro em cima de religião, mas é assim, onde tem ser humano, tem corrupção. No caso, Fruto Proibido, nós fazemos essa analogia de Adão e Eva, do conhecimento do pecado com o mundo em que vivemos, capitalista, consumista, onde o não ter te leva para um estado de exclusão, um estado que te faz depressivo e que acaba com relacionamentos por causa de dinheiro. Então, o Fruto Proibido é mais ou menos essa questão do pecado do capital, de você querer ter e nunca ter.

Além de rapper você é licenciado em Química pela Ufal. Como nasceu esse interesse?

No ato da inscrição do processo seletivo eu não sabia o que escolher, você novo, com 16/17 anos você não quer fazer nada, só quer malandriar, e no caso, por eu ter feito uma prova na 8ª série da Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de Alagoas, eu ganhei uma bolsa e passei um ano em um laboratório na Ufal, foi um aprendizado massa e terminou pendendo para futuramente escolher Química. Tive que aprender tudo aqui no curso, não sabia de nada na escola.

Você enfrentou dificuldades durante a graduação por cantar G-Funk (Gangsta Funk, ou Guetto Funk, estilo que ficou conhecido nos Estados Unidos na década de 90, trazendo como discurso em suas músicas temas como sexo, violência e drogas)? Quais foram e como você lidou com isso?

Acho que não, assim… a galera não é fãzona, mas tem elogios, falam: “Olha, som massa!”. Não chega ninguém para falar mal, mas se falar, fala, cada um tem o seu direito, sua opinião. Como eu sou licenciado, eu me ligo, ninguém tem a coragem de chegar e dizer, porque eu sou um cara honesto, pago minhas dívidas certinho, meus impostos, trabalho, não peço nada à ninguém. Mas o cara sofre uma repressão em alguns ambientes, você fala alguma coisa e muitas pessoas não gostam de ouvir. Sofremos essa repressão no dia-a-dia, tem escola mesmo que me abraça, de o diretor olhar para mim e dizer: “Felyppe, você é um exemplo, quero você aqui para sempre se for possível” e há escolas que meio que queimam o cara, mas cada um no seu direito, cada um faz sua parte e o tempo vai dizer…

Se todas suas músicas e da Família 33 fossem apagados e sobrasse apenas uma, qual você gostaria que fosse?

Vou escolher porque foi a primeira e a galera gostou e se identificou com a Família 33: Um Depois de Vários – Parte Um, mas se puder, pode incluir as duas partes .

Alguma mensagem para os leitores do CIRCULADOR?

Queria agradecer o apoio e queria deixar claro que o pouquinho que vocês fizerem hoje vai significar muito amanhã, apesar de vocês agora acharem pouco, acharem que poderia ter feito mais, tenham em mente que essa semente futuramente dará frutos.