Ouricuri: as vidas por trás da produção de artesanato

Arte feita através da palha da palmeira gera renda para artesãs de Pontal de Coruripe e preserva cultura alagoana por gerações

Imarlan Gabriel e Natália Xavier

Artesã produzindo artesanato da palha de ouricuri no Pontal de Coruripe – Foto: Natália Xavier

A produção de artesanato de ouricuri é uma das atrações locais e principais fontes de renda da cidade histórica de Coruripe, localizada em Alagoas, a cerca de 87 km de Maceió, e a 50 km da foz do rio São Francisco.

O município alagoano é um lugar com praias exuberantes e um de seus cartões postais é um farol marítimo construído em 1948. Na cidade está sediada uma das maiores usinas de açúcar de Alagoas e suas principais fontes de renda, além do artesanato de ouricuri, são a agricultura, a pesca e o turismo.

Nativa do bioma Caatinga, a palmeira de ouricuri pode chegar a 12 metros de altura e está presente em toda a costa leste do Brasil, incluindo a cidade de Coruripe. Ela é conhecida, cientificamente, por Syagrus Coronata, e, popularmente, por vários outros nomes, como, adicuri, alicuri, aricuri, butiá, butiazeiro, coco-cabeçudo, coqueiro-cabeçudo, uricuri, nicuri-de-caboclo, entre outros, os quais têm sua origem na língua tupi.

Quase todas as partes da palmeira de ouricuri podem ser aproveitadas. Os frutos do ouricuri são amêndoas comestíveis e, por isso, podem ser usados pela indústria alimentícia, como, também, consumidos in natura. É possível extrair de suas sementes grande quantidade de óleo vegetal para a fabricação de azeite. O miolo do tronco é mole e fornece uma farinha comestível. Ainda não foi comprovado cientificamente, mas, em algumas cidades do interior de Alagoas, a água do fruto verde do ouricuri é utilizada como um colírio natural para problemas na visão.

No entanto, para produzir o artesanato de ouricuri no povoado Pontal de Coruripe são usadas, como umas das matérias-primas, as fibras das folhas da palmeira de ouricuri, as quais se tornam palha para a confecção de objetos artesanais.

A palha

Para fornecer a palha de ouricuri para as artesãs de Coruripe, as associações de artesanato da cidade fazem parcerias com alguns fornecedores. Um deles é a Usina Coruripe, localizada no distrito de Pindorama, ainda no município, onde tem um espaço reservado para o armazenamento da palha. No entanto, a usina fornece a principal matéria-prima da produção de artesanato por temporada, ou seja, somente em época de colheita e com uma limitação de porcentagem.

Molhos de palha de ouricuri Foto: Natália Xavier

Enquanto a usina não está fornecendo a palha, as artesãs acabam entrando em contato com outros fornecedores e compram a palha de ouricuri nas cidades próximas da região.

Segundo as artesãs do Pontal de Coruripe, elas acabam comprando a matéria-prima em outras cidades, porque a colheita da palha do ouricuri que existia nas matas do município de Coruripe ficou cada vez mais escassa ao longo do tempo. Como não tem ninguém cuidando do palmeiral de ouricuri da região, a escassez acabou prejudicando a produção e fazendo com que elas encontrassem alternativas de obter a palha de ouricuri.

Maria Silvânia Ferreira de Lima, mais conhecida como Vânia, de 50 anos, é artesã associada à Associação das Artesãs do Pontal de Coruripe e explica que a palha de ouricuri é comprada pelas artesãs em dois municípios alagoanos próximos da região, Feliz Deserto e Marituba do Peixe.

Maria Silvânia Ferreira de Lima, 50, artesã associada, produzindo artesanato de ouricuri na Associação das Artesãs do Pontal de Coruripe – Foto: Natália Xavier

A artesã autônoma do Pontal de Coruripe, Raquel dos Santos Silva, de 45 anos, esclarece que raramente seu marido vai colher a palha de ouricuri na mata e prefere obter a matéria-prima, preferencialmente, na cidade de Marituba do Peixe.

Assim, todas as sextas-feiras, caminhões levam a palha de ouricuri tanto para as artesãs autônomas, quanto para a Associação das Artesãs do Pontal de Coruripe, onde outras artesãs também trabalham. “A gente compra os molhos com duas dúzias. Tem uns que já vêm secos e outros verdes”, explica Raquel, artesã autônoma. Ela também fala que cada molho seco custa 30 reais, enquanto os verdes custam 25. Mas, de acordo com Silvânia, depende do tamanho do molho.

Molho é a unidade de medida utilizada pelas artesãs de Coruripe para medir a quantidade de palha que será comprada. Segundo Raquel, a quantidade de molhos utilizados na produção depende do objeto que será produzido.

A produção

A produção de artesanato de ouricuri é feita através de três matérias-primas. Além da palha da palmeira de ouricuri, também são usados o linho e a anilina gaúcha. Esta última é uma tinta usada para tingir as peças artesanais. Todos os materiais são comprados pelas próprias artesãs.

Os produtos produzidos por meio do artesanato, os quais podem ser bolsas, cestas, boleiras, luminárias, entre outras coisas, são feitos por artesãs autônomas e, também, por artesãs que trabalham em associações de artesanato da região.

A artesã Jacilene dos Santos, de 43 anos, faz o artesanato desde os 12 anos. São 21 anos produzindo peças da palha de ouricuri. Segundo a artesã, a sua renda mensal é resultado de seu trabalho com artesanato de ouricuri feito na associação.

Jacilene dos Santos, 43, artesã associada, produzindo artesanato de ouricuri na Associação das Artesãs do Pontal de Coruripe – Foto: Natália Xavier

As peças artesanais que ela mais produz são caixas, porta-talheres e porta-guardanapos de ouricuri. A artesã ainda fala que faz esses produtos porque são os que ela mais gosta e, também, são os mais fáceis de fazer. No entanto, o porta-talheres é o mais difícil de produzir e demora até dois dias para ficar pronto.

Ela também explica que, geralmente, as artesãs fazem as peças sem a pintura para realçar a cor da palha de ouricuri. Porém, quando usam a anilina gaúcha nas peças, a tinta demora um dia para secar.

Jacilene também revela que não atende a encomendas porque, de acordo com a artesã, ela é muito lenta. “Sou devagar demais, acho que faço umas 8 por mês”, brinca a artesã. Já, Silvânia, com quem trabalha na mesma associação, produz, aproximadamente, 10 peças.

A associação

A Associação das Artesãs do Pontal de Coruripe possui 30 associados, sendo 29 artesãs e somente um artesão, que também é pescador nos finais de semana. Segundo a artesã Jacilene, que está há apenas cinco anos na Associação das Artesãs, a sede foi cedida pela Usina Coruripe, principal fornecedor de palha de ouricuri da instituição de artesanato, mas ainda pertence à empresa, embora as artesãs trabalhem no local sem custo algum. “Esse prédio, para gente, é tudo”, diz Jacilene. “De graça, com água e energia. É tudo”, conclui a artesã.

Associação das Artesãs do Pontal de Coruripe Foto: Natália Xavier

Para Silvânia, que trabalha há, aproximadamente, 20 anos no local, a associação é importante porque, além de gerar renda, serve para as pessoas conhecerem a cultura de Pontal de Coruripe e, também, é um espaço disponível destinado para trabalhar e expor suas produções de artesanato, além de criar amizades, pois as artesãs são muito unidas.

Ainda de acordo com Silvânia, para fazer parte da associação de artesanato, precisa residir na cidade de Coruripe. Geralmente, as novas artesãs, que se associam, já sabem alguma coisa sobre o artesanato, mas pode haver algumas que ainda não sabem. Então, as artesãs que estão na associação há mais tempo, geralmente, ensinam. “Tem que vir para cá para aprender”, brinca Silvânia.

Já Raquel trabalha há mais de 10 anos na Barraca do Artesanato, em Pontal de Coruripe. Os produtos que ela mais vende são bolsas de ouricuri. Ela abre a barraca durante os finais de semana e feriados, das 8 às 17 horas. De acordo com a artesã de 45 anos, ela não é associada porque ganha uma porcentagem maior de lucro sendo autônoma do que sendo associada a alguma instituição de artesanato. Assim, ela recebe 100% o que vende.

Raquel ainda fala que o fluxo de vendas é maior quando começa o mês de dezembro, por causa das festas de fim de ano, e vai até o final do carnaval, no começo de março. “É bonzinho demais porque depois, só Jesus”, brinca a artesã.

Raquel dos Santos Silva, artesã autônoma, de 45 anos, na barraca onde ela vende produtos feitos por ela com palha de ouricuri
Raquel dos Santos Silva, 45, artesã autônoma, na Barraca do Artesanato, em Pontal do Coruripe – Foto: Natália Xavier

Na associação, Silvânia produz há, aproximadamente, 30 anos e sua renda depende inteiramente do artesanato de ouricuri. Segundo a artesã associada, o lucro depende da produção de cada sócio da associação. “Cada sócio tem a quantidade de produtos para produzir”, explica Silvânia.

Para a associação, o período no qual as artesãs mais lucram é de dezembro a janeiro. Durante o período de carnaval, elas não faturam tanto. “Têm meses que a gente recebe mais. Têm meses que a gente recebe menos. É pela quantidade de vendas”, explica.

As vendas nacionais

O artesanato feito da palha de ouricuri é produzido e vendido em Coruripe, mas também é comercializado fora da cidade, inclusive para outros estados.

A artesã Raquel conta que comercializa seu artesanato, principalmente, para a cidade de Aracaju, em Sergipe, para a capital alagoana e para a Praia do Gunga, na cidade de Roteiro, próximo a Coruripe. Ela também revela que ganha uma pequena porcentagem com as vendas.

No caso da associação, a instituição vende seus artesanatos, principalmente, para os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina. A comercialização é feita através da Usina Coruripe, em parceria com o Sebrae, para feiras de artesanato de outros estados.

A pandemia

Durante a pandemia de Covid-19, o trabalho das artesãs do Pontal de Coruripe foi muito prejudicado pela ausência de pessoas nas praias da cidade, principalmente, os turistas, afetando as vendas.

Raquel fala que, durante esse período, às vezes, chegou a vender nada e a fechar a sua barraca por um tempo. “Ficaram fechadas as três barracas. Sem ninguém. Foi difícil vender nessa pandemia”, explica a autônoma. A sua mãe que a auxiliava, parou de ir à barraca desde a chegada da pandemia. Por causa disso, ela começou a fazer sozinha os seus artesanatos de ouricuri.

Com relação a associação, Silvânia conta que foi muito difícil porque a instituição de artesanato fechou por quatro meses durante a pandemia. E, por conta disso, tiveram que parar a produção de artesanato para fazer outros trabalhos, como a pesca, já que as peças que elas produzem só podem ser feitas para a associação.

Falta de apoio

Raquel esclarece que não recebe auxílio ou ajuda alguma da prefeitura de Coruripe, mas gostaria que o governo pudesse ajudá-la com um auxílio extra por colaborar para a cultura alagoana e de Coruripe, mesmo sendo autônoma, porque isso impulsionaria o seu trabalho como artesã. “Eu não recebo benefício nenhum. O que eu fizer e vender, eu tenho. Se eu não fizer ou não vender, eu não tenho. Eu não recebo auxílio nenhum. Gostaria muito”, desabafa Raquel.

Silvânia e Jacilene também reclamam da falta de apoio de órgãos governamentais e gostariam de uma renda extra para complementar as suas rendas na associação. “Podia, mas o governo não ajuda”, desabafa Silvânia.

Barraca do Artesanato, em Pontal do Coruripe – Foto: Natália Xavier

Jacilene revela que nos anos anteriores havia muitas artesãs trabalhando na associação, cerca de 60. Porém, com os cortes de verbas na área da cultura, a partir de 2018, feitos pela prefeitura de Coruripe, a quantidade de artesãs diminuiu, pois elas acabaram parando de fazer o trabalho artesanal ou se dispersaram.

Segundo as artesãs, não é repassado centavo algum para elas através da prefeitura de Coruripe, somente quando há eventos grandes na cidade, os quais necessitam das artesãs para expor seus trabalhos. Nesses casos, as empresas, como o Sebrae e a Usina Coruripe, que apoiam a associação das artesãs, organizam espaços para exposição de artesanatos.

A importância

A artesã Raquel conta que o artesanato de ouricuri foi apresentado a ela através de sua mãe e de suas avós. Desde os 10 anos ela produz artesanato. “O ouricuri para mim é muito importante. Ele faz o meu trabalho. A gente aprende muita coisa através da palmeira ouricuri”, diz a artesã. “Faço porque eu gosto muito de fazer o meu trabalho e, também, recebo minha rendazinha. É pouca, mas recebo, e é meu”.

Apesar de Raquel reconhecer que nas gerações anteriores, dela e da mãe dela, davam mais valor para o artesanato de ouricuri, ela revela que já está repassando para sua filha Riquele todo o seu aprendizado em produção de artesanato, como uma importância cultural. Ela ainda conta que sua filha já aprendeu a fazer o trabalho artesanal.

Silvania aprendeu o artesanato de ouricuri por causa da família. Segundo ela, o aprendizado foi passado de geração para geração. Por causa disso, a artesã já está ensinando a sua filha sobre o ouricuri. No entanto, revela que sua filha já sabe fazer, mas não quer trabalhar com o artesanato. “Quando ela está com vontade, ela faz. Quando está com preguiça, não faz, não”, conta Silvânia.

Já Jacilene revela que aprendeu sozinha a fazer o artesanato de ouricuri. Por sua mãe não saber fazer, ela aprendeu vendo outras pessoas produzindo o trabalho artesanal. A artesã mora somente com sua mãe, a qual sustenta com o artesanato de ouricuri.

Peças artesanais de ouricuri, na Barraca do Artesanato, em Pontal do Coruripe – Foto: Natália Xavier

Jacilene é mãe de uma filha de 23 anos, que não mora na cidade de Coruripe e não teve interesse de aprender o artesanato. A artesã fala que nunca tentou ensiná-la, porque, na época que sua filha ainda estava por perto, ela trabalhava numa fábrica de gelo para camarão e, por isso, não tinha tempo.

A artesã explica que trabalhou por 12 anos nessa fábrica e revela que se sua filha ainda fosse uma criança, ensinaria o artesanato de ouricuri para ela.

Para Jacilene, a palha de ouricuri representa tudo de bom, já que é a matéria-prima do seu artesanato, o qual ela utiliza para sobreviver. “Traz alimento para casa, né? Compra roupa, também”, diz a artesã.

A artesã, de 43 anos, aproveita para defender o ouricuri e ainda fala que o artesanato da palmeira faz parte e é importante para a cultura do Pontal de Coruripe. “Cuide bem do ouricuri, porque o ouricuri traz rendimento para as pessoas. Sobrevivo dele. Sobrevive eu, a Vânia e as demais que trabalham aqui”, finaliza Jacilene.