Do zero ao humor: o estabelecimento da cena stand-up em Maceió

A batalha em prol da comédia em terras alagoanas se reinventa e segue conquistando o público, mesmo durante a pandemia

Por: Daniel de Oliveira e Zuleide Campos

Fellipe Coruja, Alessandro Berle, Abner Dantas e Cassius Ogro (na ordem) formam o Quarta Categoria, grupo de stand-up que lidera a cena em Maceió na atualidade

Um artista, um microfone e um pedestal. Parece um cenário muito limitado para apresentar um espetáculo, mas é o suficiente para um comediante levar uma plateia ao êxtase, provocando risos e aplausos. E é assim, contrariando as aparências, que acontece a magia do stand-up comedy.

Apesar de não ter muito tempo no Brasil – pouco menos de duas décadas – essa vertente do humor começou a ganhar o país. Programas de TV, como o CQC (Custe o Que Custar) na Band e o Domingão do Faustão, na Globo, através do quadro “Quem Chega Lá”, deram holofotes a pioneiros da modalidade, como Diogo Portugal e Danilo Gentili, e, assim, promoveu a febre da comédia em pé em todo o território nacional.

Foi nesse contexto que Maceió, assim como muitas outras cidades, conheceu o stand-up. Tudo começou com Ed Gama, que, junto a Marlon Rossy e Fernando Peron, promoveu as primeiras apresentações de comediantes alagoanos em bares da parte baixa da capital.

Posteriormente, Ed embarcou para o Sudeste, onde desenvolveu sua carreira. Sem um de seus pioneiros, o cenário alagoano vivenciou uma evasão dos seus artistas. Alguns shows continuaram acontecendo, mas sem a mesma força de antes.

Mas em meados de 2018, quatro artistas se reuniram e iniciaram um movimento de ressurgimento da cena em Maceió, Fellipe Coruja, Cassius Ogro, Abner Dantas e Alessandro Berle deram vida a Quarta Categoria, grupo que lidera e promove cada vez mais a expansão do stand-up alagoano.

Dono de uma comédia carregada de “fuleragem”, Coruja conta que conheceu esse estilo de humor na internet e começou a se apresentar por influência de colegas de Pernambuco.

“Em todos os trabalhos que tive sempre fui um cara brincalhão, que animava a galera, não tinha tempo ruim. Daí procurei saber como fazia pra começar. Fui nas redes sociais dos comediantes que eu assisti pela internet e pedi ajuda, até que um deles me indicou a cena de Recife. Entrei em contato com um comediante pernambucano e consegui fazer um open mic, que é quando um comediante iniciante tem a oportunidade de subir no palco a convite de outros comediantes profissionais para apresentar”, disse.

Cassius Ogro, por outro lado, é baiano, mas iniciou sua carreira como humorista em Alagoas e hoje é um dos principais alavancadores da cena no estado. Adepto do chamado humor ácido, Ogro diz que seu principal engate para entrar no mundo do stand-up foi um livro de Léo Lins, um dos comediantes mais bem sucedidos do país.

“Na escola, quando eu falava algo engraçado e os meus amigos riam, foi que eu percebi que queria fazer isso todos os dias. O contato com o humor de forma profissional mesmo foi há uns quatro anos, quando eu li Segredos da comédia stand-up. Foi quando eu escrevi algo propositalmente pensando em fazer os outros rirem. Mais ou menos há uns três anos, eu abri o show de um grupo que tinha aqui em Maceió e conheci Coruja, Abner e Berle”, relembra.

Avenida da comédia

Para o show acontecer, é preciso de um palco. E, em Maceió, não há lugar que mais abraça os espetáculos que a avenida Amélia Rosa, situada no bairro da Jatiúca. Antes, os eventos eram itinerantes e ficavam rodando pelos bares da localidade, mas hoje acontece em um local fixo: o The Spoilers Bar, no bairro Stella Maris. Assim, a importância da região se fez grande para o cenário alagoano.

“O stand-up tem a identidade do bar, sabe? É a comédia que vai para o teatro, mas tem mais uma cara de bar do que de teatro em si. Ele se caracteriza pelo minimalismo, um cara contando histórias de cara limpa. Por isso que ostand-up está ligado ao bar, e a Amélia Rosa tem vários bares. Também tem o potencial financeiro daquela região boêmia, que faz que ostand-up prospere”, analisa Ogro.

Fellipe Coruja, Alessandro Berle, Abner Dantas e Cassius Ogro, O The Spoilers Bar é a principal casa do stand-up da capital alagoana

Mas e sobre manter-se apenas a partir dos cachês de stand-up: é possível? Para aqueles que não são muito conhecidos, esse é um sonho ainda distante. “É possível na nossa cabeça, no futuro, mas na realidade ainda não consigo me manter financeiramente com humor. É esse um dos motivadores que fazem a gente a pensar em tentar algo fora daqui”, desabafa Cassius Ogro.

“Isso é o que motiva a gente a querer ir pra São Paulo ou outros lugares que a gente possa viver de comédia. Mas a gente não vai abandonar a cena de Alagoas não. A gente quer criar essa cultura aqui e com fé em Deus vamos conseguir”, completa o comediante.

Nova geração

Uma grande parcela de brasileiros cresceu assistindo e ouvindo comediantes pela TV nas tardes de sábado e domingo ou até mesmo em dias de semana. Mas, com o alcance da internet, especialmente do YouTube, essa visão se torna mais abrangente, mostrando um lado do humor que normalmente não se via em programas de palco mais comuns: humoristas sem fantasia nem peruca, sempre centralizando em experiências próprias e não em uma narrativa inventada.

E é exatamente isso que levou o jovem Alisson Lopes, de 24 anos, ao mundo da comédia. Não se contendo em apenas assistir na telinha, ele foi em busca de lugares que aceitassem abrir espaço para o stand-up. Assim, achou um bar, e, entrando em contato com o Quarta Categoria, foi um dos participantes do primeiro Festival Open Mic de Maceió, um evento onde os novatos nesta vertente do humor ganham espaço para se apresentar.

“Eu vejo o stand-up como uma arte muito íntima com o público. Então, para mim, uma cena local é muito importante, pois eu subo no palco para expressar a minha visão de mundo e minhas vivências. Por isso, o ideal é compartilhar com meus conterrâneos. Espero que em Alagoas se monte uma cena em que o público vai pelo show e pela experiência e não só por ser um artista que tem um número de seguidores na internet”, declara Alisson.

Segundo Sérvulo Medeiros, que tem apenas 19 anos, esse ambiente simboliza o real sentido da felicidade, podendo transformar o momento de dor de alguém em risos estampados no rosto. Instigado por seu professor, que já estava na área há cerca de um ano, fez seu primeiro Open Mic com 17 anos, quando teve a certeza que era exatamente o que satisfazia sua vida: fazer pessoas rirem.

“Teve um dia que fui fazer um show em um negócio de trailer, era uma vila de trailer, com comida paga e a gente não tinha palco, a gente só tinha microfone e uma caixa de som”, conta ele,um dos novos nomes do stand-up alagoano sobre os perrengues do seu início na comédia.

Com apenas 19 anos, Sérvulo Medeiros vai conquistando espaço na cena de Maceió

Pandemia

O novo coronavírus trouxe desafios enormes para todos os aspectos da sociedade e com o humor não foi diferente. Com a perda do principal elemento do stand-up, que é o público, os artistas precisaram se reinventar para continuar produzindo conteúdos de comédia e provocar risadas em momentos de angústia.

Assim, a internet se mostrou como o principal elo entre artista e audiência. Cassius Ogro viu bem essa oportunidade para tirar as piadas do papel e abasteceu suas redes sociais com comédia. No Instagram, Ogro criou o quadro “Problematizando”, onde tira sarro das polêmicas em alta. Já no Youtube, ele toca o podcast “Caverna do Ogro”, no qual se estende mais sobre assuntos que ganham relevância na web, sobretudo no Twitter.

Fellipe Coruja chegou a postar vídeos nas suas redes sociais, adotando um tom mais de família, mas não abandonando as piadas ácidas. Mas como boa parte da população, ele foi abatido pelo desalento e ficou um bom tempo sem produzir conteúdos de humor, retornando há pouco tempo.

“Sinceramente, durante a pandemia eu fiquei meio que sem rumo. Bateu um desânimo e eu abandonei minhas redes sociais. Eu tinha um quadro com minha avó, o ‘Coruja em Debate’, que funcionou legal. A galera até hoje pede pra voltar, mas ainda tô um pouco desanimado. Ainda esse mês vamos voltar de vez com esse quadro”, desabafa Coruja.

Após atravessar uma situação crítica na metade de 2020, os comediantes aproveitam o cenário mais tranquilo proporcionado pela vacinação e já fazem shows aos poucos, sendo submetidos a um protocolo sanitário. 

“A gente não tem um grande poder aquisitivo, a gente não tem influência no meio artístico, a gente tá tão acostumado com a dificuldade que a pandemia é só mais uma. A gente tem que enfrentar caso a gente queira viver. Pensamos várias vezes em desistir, mas, como a gente não tem bom senso,a gente continua tentando fazer, claro, seguindo os protocolos de segurança. Temos que nos adaptarmos, de alguma forma, para fazer o que a gente gosta”, relativiza Ogro, rindo.